31 de março de 2008

In Fleas

Enquanto não chega Heretic Pride, aqui fica Sax Rohmer Pt.1, que abre o último The Mountain Goats. Este gajo já escreveu para cima de 500 (!) músicas, disserta confortavelmente em qualquer seminário de Metal escandinavo e é um incondicional dos Black Sabbath (os grandes reconhecem-se à distância); acabou de escrever um livro (Master Of Reality, como no 3º opus dos ditos) e parece deter o segredo para cozer, em casa, o melhor pão do bairro dele. John Darnielle anda a fugir de alguma coisa. Espera-se que nunca chegue à paz de espírito - queremo-lo à beira do colapso maníaco, por muitos e desgraçados anos.

30 de março de 2008

While You Were Sleeping

Opiate, 2002. Sempre que chove, sempre que adormeces, sempre que adormeço, sempre que o dia passa mesmo muito devagar, cheio de pressa.

I'm Not There

Uma pedrada colectiva, a começar pela do Todd Haynes. Totalmente obrigatório. Pode provocar motins - em mim, provocou. O título, ao mesmo tempo genial e o único que poderia ter, explica o que realmente deve ser explicado: Dylan, sendo tudo e todos - como na descodificação de uma figura compósita num sonho - não está ali. Mas este filme será, à excepção dos álbuns, um dos momentos de maior proximidade que se poderá almejar; em certa medida maior do que nas Chronicles ou em No Direction Home, que procuram o homem; enquanto aqui se projectam os fragmentos das personagens, contentando-se com eles. É um autêntico dream-work, no sentido em que reúne (sem nunca declaradamente pretender aglomerar, sintetizar) as partes em algo que está a meio caminho de luz e sombra. Dylan na penumbra, de onde nunca saiu, emerge de tudo isto apenas como símbolo de si próprio, representado na ausência.

27 de março de 2008

Pl. George Orwell

A Plaça George Orwell, em Barcelona, foi a primeira área da cidade a ser vigiada por câmaras, num raio de 500m, continuamente.

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Se não está ninguém no cemitério para nos observar, somos capazes de fazer coisas muito loucas para que os mortos pareçam qualquer outra coisa em vez de mortos. Mas mesmo que consigamos e nos emocionemos o suficiente para sentirmos a sua presença, não deixamos de nos vir embora sem eles. O que os cemitérios provam, pelo menos a pessoas como eu, não é que os mortos estão presentes, mas sim que partiram. Eles partiram e, por enquanto, nós não. Isto é fundamental e, por muito inaceitável que possa ser, facilmente compreensível.

Património, Philip Roth

26 de março de 2008

Shadows

John Cassavetes, 1959. Com uma daquelas bandas sonoras que transportam imediatamente para a New York pulsante de jazz, ora melancólico ora funkalhado, fumo e relações sociais, improvisa encontros e vidas em loop constante e introduz de forma directa o tema do preconceito racial como elemento entranhado, preponderante e organizador. Boy meets girl e vice-versa: o enamoramento e o choque, para ele, da descoberta das origens étnicas dela, que a pele quase não deixava perceber; concomitante ao choque, para ela, da descoberta das molduras com que as pessoas se reconhecem no mundo, ao preço de negarem o reconhecimento do Outro. Imagino que tenha sido um abanão, na altura; provavelmente restringido aos circuitos mais vanguardistas.

Joaninha, a menina que não queria ser gente

Tem, pela amostra, toda a pinta de ter muita pinta. Não há nada que se aproxime, para uma pequena criatura, de uma história que lhe apresente o mundo de relance. Quando se consegue seduzi-los para o mundo de dentro, mais o de fora e principalmente o mundo daquela área transitiva entre os outros dois, dá-se uma espécie de expansão catastrófica no sentido certo, um big bang mental que o resto da vida só a muito custo poderá mimetizar. As sinapses passam-se dos carretos, as ideias espalham-se em partículas de imagens e emoções, e cada uma delas forma nova galáxia. É aproveitar, antes que descubram as novelas e se inicie o longo e arrepiante  processo da contra-mão.

24 de março de 2008

Barcelona, 23 Março: CCCB - Rescrits Pop Films

The Factory, NYC, Janeiro de 1966, cerca de 70 minutos em 16mm. Câmara manobrada por Andy Warhol (a passar-se com zoomings sucessivos e aborrecidos, como se uma mão histérica abrisse as portas do paraíso psicadélico), que regista um longo momento de improvisação dos quatro VU, enquanto a bela da Nico anda por lá a rir-se para o filho, a abanar umas maracas, a passear com uma chave-de-fendas nas cordas de um baixo e a tentar perceber como poderá encaixar-se naquele bando de anjos caídos. A coisa é interrompida pela polícia por causa dos decibeis que a vizinhança achou insuportáveis, sem saber que de dentro da espelunca saía o som que arrasaria com qualquer réstia de paciência para as estruturas compostinhas dos yeah yeah yeahs que ainda se iam ouvindo. Valor essencialmente histórico e documental, até porque é possível ver o Lou Reed a esboçar meia dúzia de sorrisos.

Londres, Janeiro de 1967. Peter Whitehead promove (e paga) a primeira sessão de gravação dos Pink Floyd, nos Sound Techniques Studios, onde aqueles apalpam uma versão de Interstellar Overdrive, com Syd Barrett compenetrado, aparentemente antes de ter escorregado do mundo. Pelo meio dos 30 minutos de viagem são mostradas imagens dos Floyd no UFO Club, em que o braço do baixo de Waters está praticamente em contacto com o tecto; assim como passagens das 14 Hour Technicolor Dream Extravaganza, com Lennon a vaguear pela sala, entre molhos de londrinos esgazeados na bolha alucinogénia.

Assim, sim; um grande Domingo de Páscoa. Amén.

19 de março de 2008

In Fleas

Sei bem o quão perigoso pode ser, alimentar o animal. A seguir a uma viagem a cabeça expande-se e o Porto encolhe. Mas...  

Mundo! Siga!

Até prá semana.

18 de março de 2008

Love @ 2nd Site

Em Escuta, do Pedro. A ver se desta é que é. Porra, nem penses em bazar antes do 5º aniversário. São muitas partículas elementares, para cartografar.

O aperfeiçoamento da prateleira (sem silicone)

'Demónios', do Fiódor e 'Património', do Roth.

Haverá lá coisa como ler os clássicos?

17 de março de 2008

O Circo

Não só goza de imunidade como também goza com a imunidade. Processar alguém que lhe chamou "palhaço", a ele, que já chamou de tudo (ao quadrado) a todos só tem um nome: palhaçada. Todo um circo de hipocrisia.

No Country For Old Men

Este País Não É Para Velhos é grande cinema. Para além de constituir sempre um divertimento, ver espectadores desconsolados pela falta do esquema habitual, como a exigência de um final bem fechado. Mas finais fechados são mentiras piedosas, não existem, nunca existiram. Há momentos que se contam. Muito poucos perdoam a incerteza e a ambiguidade na ficção. Já lhes basta...

15 de março de 2008

14 de março de 2008

A lamber o líder (sem piercing)

PS quer proibir colocação de “piercings” na língua

Pura e simplesmente proibir. E atenção às tatuagens com referências à descolonização ("Angola 1975 - Amor de Mãe": já foste!)...

Quem perder algum tempo a observar José Sócrates, de preferência fora daqueles contextos ultra-regulados pelo protocolo, apercebe-se rapidamente do invólucro da personagem, da feroz auto-exigência narcísica de nunca ser apanhado (nem por ele próprio) em contrapé demasiado humano. O partido, adesivo ao líder como qualquer boa conjura de apóstolos gananciosos, trata de socratizar a sociedade, o mais que pode, expandindo a arte da fotocópia identitária (se Sócrates não usa piercing na língua, por que raio alguém quererá usar?). E assim se resolvem as liberdades. 

11 de março de 2008

A cair de Verdes (ou 'Don't cry a wolf')

Sam Javanrouh | Green Building

Parece haver sempre um fundo misantropo nas exigências dos ambientalistas. Não é que eu próprio tenha a espécie humana em grande conta, mas chateia-me um bocado, a ideia de que o planeta e as pessoas são incompatíveis. Até porque não consigo ir morrer muito longe, rodeado de sacos de plástico e a atravessar pontes cujos pilares ameacem a população de carraças-da-risca-ao-meio nas margens de um rio, num calhau da periferia de Andrómeda. 

10 de março de 2008

Continuações

Acho que a coisa não é regional: já todos ouviram aquela despedida, aquele fim de conversa que consiste em desejar "boa continuação"? O tuga é mesmo assim, está-lhe no grande inconsciente colectivo. Homens e mulheres a dias, sem descontinuidades, sem a angústia da incerteza, sem motivação, no mesmo emprego, nas mesmas relações, na mesma rotina de sempre. Vai a manifs reivindicar a ordem anterior, e a ideia, de tão organizadora, foi elevada a cumprimento de bom augúrio. Pois hoje ouvi, em conversa telefónica alheia (sim, não sou propriamente holandês...), a versão fundamentalista 2.0. É oficial: já não interessa se vai ser bom ou mau, risonho ou negro, insuportável ou apetecível. O senhor desejou à pessoa de quem se despedia, simplesmente, "continuações". Parar é morrer, mas antes isso que uma chatice. Ainda agora me habituei à roda e os japoneses já estão a usar os primeiros comboios de levitação electromagnética...

9 de março de 2008

The Wall

- Importas-te de me enviar o documento?

- Não posso, teria que ir à outra ponta do monitor e agora estou cheio de pressa.

8 de março de 2008

Sam Javanrouh | BMO and 390

Se me estiverem a ler

O Perry Blake e os National bem podiam fazer qualquer coisinha juntos. Tomar café, por exemplo. Ou uma música.

7 de março de 2008

A coisa em forma de assim

"Vários mil milhões de anos"... É tão extraordinária, a precisão que a ciência astrofísica já consegue atingir! "Vários mil milhões de anos", mas... a que horas? Dei exactamente n gargalhadas.

1972. Creditado a Chick Corea, inspira a nobre linhagem Return To Forever; com Corea, Stanley Clarke, Joe Farrel, Flora Purim (grande momento) e Airto Moreira. Disco mesmo obrigatório, para além do free-jazz e da fusão. Reuniu-se agora uma das formações mais antigas dos RTF, espero que passem por cá. Se bem que estas coisas tendam a descambar em tantos pacotes de virtuosismo quantos músicos no palco, será sempre um ponto alto da temporada, de qualquer temporada.

5 de março de 2008

Encontro de Irmãos

Faz sentido, a aproximação. Se, por um lado, o multiculturalismo e a diversidade religiosa contribuem para o relativismo da fé, por outro a união de esforços serve-lhes a agenda de combate à secularização. Ao islamismo, no sentido de lavagem da brand, de legitimação; ao catolicismo porque, apesar de ter que reconhecer o islamismo como ramo espiritual da re-ligação, precisa desesperadamente de enfraquecer o crescimento mental da Europa. E, perante isso, o preço a pagar por dividir o púlpito com outro Deus é muito pequeno.

O Pica-Miolos

Plim, plim, ouve-se-lhe ao longe em crescendo, vem aí o gajo da bengala, plim, plim, plim. O som do alumínio no alcatrão, o rasto das chispas, a reivindicação, como se quisesse recuperar algo que lhe pertence. O plim, plim, plim vai aumentando de volume e de pulsar, a abordagem é inevitável, isso suporta-se. Chega a perseguição, plim, plim, plim,  sem comentários, só aquele som: plim, quantos metros forem precisos até ao local de destino, meia-dúzia de passos ou 2 quarteirões, sem grandes protestos ou ameaças explícitas, sem qualquer esperança de conseguir o pilim, apenas aquele plim, plim, plim...

4 de março de 2008

Ok, já percebi...

O iMAC rula!

Crimes Barrocos

Penso, logo existo, disse um homem célebre. As árvores do meu jardim existem, mas não penso que pensem, pelo que podemos demonstrar assim que o senhor René não estava no seu perfeito juízo, e que o mesmo pode suceder com todos os outros. O meu sogro, por exemplo, que existe e não pensa, ou o meu editor que pensa mas não existe. E se virarmos o sistema do avesso, continua a ser pouco evidente. Não existo porque penso, nem penso porque existo.

Pensar é certo, existir é um mito. Não existo, sobrevivo. Só vivem - o que se chama viver - os que não pensam. Os que se põem a pensar não vivem. A injustiça é demasiado evidente. Bastaria pensar para nos suicidarmos. Não, senhor Descartes: vivo, logo não penso, se pensasse não viveria. Assim pode fazer-se um belo soneto:

Penso logo não vivo, se vivesse

não pensaria, senhor... etc.... etc.

Se para viver é necessário pensar, somos lúcidos. Mas enfim, se estais convencidos de que assim é, estou inocente, totalmente inocente, pois não penso nem quero pensar. Logo, se não penso não existo e se não existo: Como poderia ser responsável por essa morte?

Max Aub | Crimes Exemplares

2 de março de 2008

"The Salinger of Indie Rock"

Slate

Movimento de Translação

O sentido figurado, expresso através de relações de semelhança mais ou menos subentendidas constitui a metáfora. As ideias assim organizadas constituem a alegoria. Se a alegoria alude a um sentido moral, surge a parábola. 

Há já algum tempo que me incomodam, as metáforas. Junte-se-lhe o hábito e passam a agentes reguladores. 

No entanto, a metaforização é um dos paradigmas do pensamento simbólico, por oposição à concretude do ser-se estilhaçado, em que tudo é à letra (colados às coisas) e não há abstracção que sobreviva.

É muito difícil, um gajo manter-se escorreito.

1 de março de 2008

MACondo

Começo a perceber o amuanço do pessoal dos Mac's. São umas máquinas do caraças, mas não é certo que se encontre todo o software compatível de que se precisa. O número de PCs é tão esmagador, que um Mac mais parece condenado a cem anos de solidão.

Avisado Retorno

num dia de muito calor

a maionese pode matar

era o que dizia a minha tia

dizia-me ela também

quando saíres leva sempre a carteira

porque se morreres

eles vão querer identificar o teu corpo

Sam Shepard | Crónicas Americanas (Motel Chronicles)