Ontem esteve aquela calma pesada antes de... nada. A cidade (este lado da cidade, pelo menos) andou por aí meio vazia, a velocidade e as pessoas não eram as dos outros dias. Os passeios tinham adolescentes a vaguear as férias, a fumar em grupo com auscultadores em todos os ouvidos, pessoas de passagem pelos cafés e uns poucos que iam ou vinham de trabalhar. A atmosfera estava pesada, apesar da brisa e da temperatura quase agradável. Havia expressões de uma certa estranheza nas caras das pessoas. Quando a cidade fica mais acessível costuma haver um contágio de fluidez, só que ontem todos se arrastavam, mas como se o ritmo fosse normal e o normal fosse aquele ritmo. Parte da avenida começou a ser esburacada por máquinas, em vários pontos, suponho que para manutenção de cabos, fibras e outros sepultados desse género. O cemitério costuma ter algo a acontecer, só à noite parece haver descanso. Quase sempre um acrescento, sensivelmente à mesma hora, pelo menos àquela hora. Atravessar funerais a pé pode ser uma experiência extrema. Todos os códigos estão subvertidos, as pessoas menos possuídas pela dor da separação, as que se concentram na perda, confrontam-se com a única certeza da vida, olham muito à volta, e os dogmas provocam roupas, expressões e movimentos de dimensões extraordinárias, contidas e sublimes. Ao fim de uns anos, morre-se. Quero ver amanhã. Ando mesmo interessado no tempo que faz.