A virtude dos religiosos era tal que até os animais selvagens se submetiam ao seu poder. Quando um eremita se encontrava próximo da morte, um leão vinha abrir-lhe uma cova com as suas próprias garras. (...) Pafnúcio respeitava os mais rigorosos jejuns e ficava por vezes três dias inteiros sem ingerir qualquer alimento. Além disso, usava um cilício de pêlo extremamente áspero, flagelava-se noite e dia e mantinha-se muitas vezes prostrado com a fronte sobre a terra. (...) Assim, ajoelhado na sua cela diante do simulacro desse madeiro salutar onde foi pendurado, como numa balança, o resgate do mundo, Pafnúcio deu por si a lembrar-se de ThaÏs, porque ThaÏs era o seu pecado, e meditou longamente segundo as regras do ascetismo, na fealdade monstruosa das delícias carnais para as quais essa mulher o havia despertado, nos dias de ignorância e de perturbação. (...) - Irmão Palomão, irei a Alexandria ter com essa mulher e, com o auxílio de Deus, convertê-la-ei. Tal é o meu desígnio; não o aprovas, meu irmão? - Irmão Pafnúcio, não passo de um infeliz pecador, mas o nosso pai António tinha por hábito dizer: «Estejas em que lugar estiveres, não tenhas pressa de sair em direcção a outros lugares.» (...) Uma grande agitação tomava conta do seu espírito. «Este eremita», pensava ele, «é um bom conselheiro; está nele o espírito da prudência. E ele duvida da sensatez do meu desígnio. Porém, afigura-se-me cruel deixar que ThaÏs se mantenha durante mais tempo presa no demónio que a possui. Que Deus me ilumine e me conduza!»
(...) "
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Anatole France (ThaÏs, 1890)
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