O modelo telenovelista impõe-se em todos os quadrantes, todos os dias, e cada vez se exigem estratégias menos rebuscadas para aderir aos enlatados. Anos e anos de Rede Globo e TVI em cima de mais anos e anos de ensino alérgico ao pensamento crítico servem agora para poupar em elaborados planos de condicionamento. Bastam algumas palavras-chave para que, de certezinha, o efeito não se afaste muito do pretendido. Adenda: a coisa está tão instalada que os próprios agentes do condicionamento são disso inocentes, porque também eles têm as mesmas referências. Quase não há maquiavelismo. O sistema alimenta-se a si próprio e tudo decorre com normalidade no melhor dos mundos possíveis. Não se trata de novilíngua, nunca tivemos outra.
Esmeralda / Ana Filipa tem "pais afectivos" e um "pai biológico". Sabe-se, pelas novelas, que as pessoas são uni ou, quanto muito, bidimensionais. Nunca têm 3 dimensões, que isso é realidade a mais e dificulta a clivagem. Logo, o humilde e abnegado casal de acolhimento é a pura representação antropomorfizada do afecto. O "pai biológico" é o símbolo do esperma irresponsável que se rege pelo princípio do prazer e agora vem roubar a menina ao colo dos seus verdadeiros donos: o povo. Ponto. Não queremos saber mais nada. Está ali o branco. Acolá o preto.
Em cima dos qualificativos "biológico" e "afectivo" florescem enredo, emoções, atenção, teledrama. E o povo exige, literalmente, que a justiça seja cega. Aos cinzentos.