O animal está deitado no chão com ar de quem tem muito mais que fazer e não compreende por que raio não lhe facilito eu a vida. Vou-a olhando nos olhos mas não consigo aguentar muito tempo, levo-a à janela e mostro-lhe o dilúvio lá fora, explico-lhe tudo, abro o vidro e molhamo-nos um bocado e as cortinas invadem a sala e as madeiras ficam ensopadas e os discos e os livros são quase sugados para dentro da noite quando o vento muda de direcção. A tempestade faz-me adiar o momento em que teremos de ir lá abaixo nem que seja um minuto, correndo o risco de sermos levados pelo ar ao lado de jornais da semana passada, teses de doutoramento chumbadas, pessoas magrinhas, sonhos desfeitos, cabeças no ar, da Margarita a caminho do Mestre em gargalhadas de volúpia demente, ninhos mal engendrados e instrumentos de sopro que se espalham pelo universo da atmosfera e que produzem aqueles assobios que mais parecem lamentos e se calhar até são. A natureza dela chama-me, saiam da frente, estamos mortinhos para fazer o que tem de ser feito.