O episódio protagonizado por Hugo Chávez, o rei Juan Carlos e Zapatero na Cimeira Iberoamericana está a ser comentado por meio mundo. Uma parte significativa da blogosfera portuguesa já lançou ao ar tanto fogo de distracção que quase conseguiu perder (e fazer perder) o foco da coisa. O pseudoargumento mais usado tem a ver com a legitimidade democrática e as origens do poder do rei e do presidente venezuelano: tentam comentar o caso sem praticamente falar do caso. 1) A legitimidade de ambos participarem na cimeira é exactamente igual. Sendo, por princípio inabalável, contra qualquer forma de governo monárquico, parece-me óbvio que ninguém contesta a presença do rei de Espanha no encontro de Santiago do Chile. Antes deste episódio, pelo menos, não me lembro de ler ou ouvir nada sobre o assunto. 2) Convém ver toda a sequência da intervenção de Zapatero e das constantes interrupções a que esteve sujeito, vindas de Chávez, a ponto de não conseguir articular meia frase; e não a maior parte dos excertos que circulam na net, apenas com o momento da repreensão. Isto é a forma e é o mais importante. Se o presidente da Venezuela tivesse usado o seu direito a dizer o que pensa do que quer que seja, por muito ofensivo e mal-educado que fosse (como foi) em termos de conteúdo, mas tivesse depois a capacidade de ouvir o que os outros tinham para lhe dizer a ele, pouco ou nada haveria a comentar. Nem o próprio Juan Carlos lhe teria sugerido que se calasse. Mas Chávez não consegue ouvir nem discutir. O seu modelo cubano é a resposta para se perceber o pequeno episódio: a forma de comunicação que os ditadores privilegiam é o monólogo, o absolutismo das suas ideias sem conceberem qualquer outra modalidade que lhes embarace a omnisciência. O silenciamento das televisões, a repressão das manifs e a alteração da constituição venezuelanas dizem tudo e é tudo o que basta recordar para compreender o que se passou.