Ensaio Sobre A Cegueira é um dos grandes livros de Saramago. Quem lhe chama um clone d'A Peste (Camus) é injusto e não sabe o que perde, mesmo tendo lido ambos. O Ensaio contém A Peste, uma peste, mas vai para além dela e de todas as outras. Talvez seja onde, na obra do escritor, mais se apresente a "desordem estuporada da vida" (recorrendo ao Herberto Helder), uma hiperconsciência dos demónios; trema, apofania e apocalipse em progressão vertiginosa. A ver vamos. Deve ser tramado, encerrar aquilo tudo em imagens apesar de originalmente a obra já apelar a esse lado primário, visual, cada página mais do que a anterior. Sublinho a ideia de «transformação». Creio que um dos grandes desafios poderá estar em encontrar uma linguagem que se agarre a um equivalente da sintaxe e do ritmo do livro, que é o tempo e o lugar interno em que quem enlouquece, enlouquece, lutando para aguentar. A forma é a alma do Ensaio. Um bico-de-obra. Fernando Meirelles mantém um blog enquanto filma.