Todos os dias aparecem velhos e novos alienados nas mesmas paragens de autocarro. Chegam, olham, pedem cigarros, perguntam as horas. É nas horas que espantam. Ninguém parece dar-lhes as horas sem uma certa desconfiança. Para que quererão eles as horas? O que farão àquelas horas? Na melhor das hipóteses têm um passado tão esmagador que é lá que vivem e a perspectiva futura termina agora, pelo que não terão de estar em lado nenhum dali a nada.
Raramente lhes negam as horas e os minutos, às vezes chegam a dar-lhes os dias. Pedir o ano é que já pode ser assustador, meio caminho andado para o silêncio de quem se confronta com tamanha falência da razão. E arriscado: não se pergunta o ano a quem nem pensa nisso e se calhar também não se lembra, o que o colocaria mais próximo de quem lho pede. Mas as horas são mais fáceis de dar do que uns cêntimos. Não deixa de ser estranho. Os alienados da pólis perderam o tempo há que tempos, não serão actualizações destas a arrancar-lhes a pedra da loucura.
Misturámos tudo. As horas não são o tempo, apenas uma fraca aproximação, um recurso de estilo, a grande capitulação na arte de seduzir, um assalto. Pedem as horas porque não conseguem lembrar-se de outras formas para roubar aquele tempo.