Agora, por favor, pára tudo. Já chega.
31 de julho de 2008
O absoluto imperfeito
Mesmo que a demonstração de Leibniz de que este é o melhor de todos os mundos possíveis estivesse correcta, mesmo assim não seria uma prova da providência divina. Porque o Criador criou não apenas um mundo, mas também a própria possibilidade; portanto, deve ter criado a possibilidade de um mundo melhor que este.
Em geral, contudo, duas coisas se levantam contra esta visão do mundo como a obra de sucesso de um ser infinitamente sábio, infinitamente bom e ao mesmo tempo infinitamente poderoso: a miséria de que está cheio e a óbvia imperfeição do seu fenómeno mais soberbamente desenvolvido, o homem, que é na verdade uma caricatura grotesca.
Arthur Schopenhauer | Sobre O Sofrimento Do Mundo
- De certo modo, todos os deuses das velhas religiões eram imperfeitos, tendo em conta que os seus atributos eram apenas os atributos humanos ampliados. O Deus do Velho Testamento, por exemplo, exigia uma submissão humilde e sacrifícios e tinha ciúmes dos outros deuses. Os deuses gregos tinham ataques de amuo e querelas de família e eram tão imperfeitos como os mortais...
- Não - interrompi. - Não estou a pensar num deus cuja imperfeição é fruto da candura dos seus criadores humanos, mas um deus cuja imperfeição represente a sua característica essencial: um deus limitado na sua omnisciência e poder, falível, incapaz de prever as consequências dos seus actos e criando coisas que conduzem ao horror. Ele é um deus... doente, cujas ambições excedem os seus poderes e que, a princípio, não percebe esse facto.
(...)
- Que lhe deu essa ideia de um deus imperfeito?
- Não sei. A mim parece-me perfeitamente plausível. É o único deus em quem imagino poder acreditar, um deus cuja paixão não é redenção, que nada salva, que não serve nenhum propósito... um deus que se limita a ser.
Stanislaw Lem | Solaris
28 de julho de 2008
Dear Mirsab
Deviam organizar-se grupos de encontro e apoio a bombistas suicidas sobreviventes. Deles ninguém quer saber.
Mas, claro, lá está, será que fizeram?...
Já começou e vai apertar, o jogo rasteiro da campanha McCain.
Merecia um anúncio-resposta, qualquer coisa como "Obama orgulha-se de não partir do princípio de que a maior parte dos eleitores norte-americanos fizeram uma lobotomia do córtex pré-frontal".
26 de julho de 2008
25 de julho de 2008
21 de julho de 2008
O povo
não é uma multidão de homens unidos seja de que maneira for, mas o conjunto vinculado pelo reconhecimento dos direitos recíprocos e pela comunhão do útil.
Marcus Tullius Cícero, De republica
20 de julho de 2008
The Motorcycle Diaries
Entre Lou Reed e Leonard Cohen escolhi faltar aos dois, mas o lamentómetro reage vigorosamente ao primeiro. Digamos, para memória da devoção, que facilmente me imagino rumo à bela Lisboa para um e a galgar a avenida (esta avenida) para outro. Na realidade passei o Domingo de mota, entre aldeolas e algumas dirty boulevards.
9 de julho de 2008
Bill Nelson
The October Man
Difícil é descobrir as arcas sagradas. Mas quando elas se revelam, meus amigos, abrem-se os céus e a terra, à força de tornados e gajos geniais. Esta arca esteve sempre debaixo do meu nariz. Os Be-Bop Deluxe, banda dos setentas, guardavam Bill Nelson, cuja vida e obra, que os ultrapassa pela direita a grande velocidade, urge esquadrinhar.
Map Of Dreams
4 de julho de 2008
O louco falhado
Ao contrário do que o Herberto deixava no ar ("se eu quisesse enlouquecia"), não basta querer, é preciso precisar. Muito. A insuportabilidade de estar ligado ao mundo varia, como as estratégias para lhe fazer frente. De alguma alienação à loucura ainda existem uns degraus, mesmo se os dados estiverem lançados.
Observo regularmente um homem, sem-abrigo, nitidamente alienado mas que, para mal dos seus pecados, não enlouqueceu. À vista desarmada engana muita gente. Fala sozinho por causa da solidão (não fala com aqueles que alucina, mas esforça-se), ausenta-se mesmo estando lá, faz coisas sem nexo aparente. Ele tenta, adoraria enlouquecer, mas não basta querer. Provavelmente bloqueou, até ver, num patamar intermédio, o que o condena a continuar a sofrer das (com) as mesmas coisas. Não tanto como antigamente e, arrisco, hoje bem menos do que ontem, mas ainda sem solução.
O facto seleccionado desta minha ideia tem a ver com o rádio a pilhas, de que parece não conseguir separar-se. Deve ser um subsídio extra de alienação, mas aquelas canções, aquela estação específica, escolhida a dedo, devem trazer-lhe memórias lá das festas da aldeia. Demasiada realidade para alguém lhe declarar a loucura.
Penso nele, nesta senda extrapolatória, como um louco falhado. Um louco como deve ser deixa, praticamente, de sofrer com certas e determinadas coisas (sofre com outras), porque transforma-se no seu próprio demiurgo. Jamais permitiria que a música viesse de fora.